O protagonismo da pauta do fogo na COP30 e suas implicações para o setor empresarial
Um dos debates mais relevantes da COP30 em Belém ocorreu fora dos plenários centrais, em um evento dedicado ao tema “O fogo e seus impactos na conservação da biodiversidade no Brasil”. Realizado na Casa Ipê, em parceria entre o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Havaianas e a Fundação Sol de Janeiro, o encontro reuniu especialistas e líderes indígenas para discutir um tema que, apesar de crítico para a mudança do clima, só agora ganha o destaque merecido em uma Conferência das Partes. A característica informal do evento, que contou com a presença significativa de brigadistas indígenas entre os painelistas, garantiu uma discussão rica e centrada na realidade de quem está na linha de frente do combate ao fogo. A política de Manejo Integrado do Fogo (MIF) A primeira área de foco do debate foi a política de Manejo Integrado do Fogo (MIF). Esta abordagem reconhece que o fogo é um elemento natural e essencial para a manutenção de muitos ecossistemas brasileiros. O MIF não defende a proibição total do fogo, mas sim a redução de incêndios descontrolados, respeitando o uso consciente e culturalmente necessário que povos e comunidades tradicionais e indígenas fazem desse elemento para suas atividades de subsistência e modos de vida. O entendimento do MIF é crucial para uma política de conservação que seja, ao mesmo tempo, ecológica e socialmente justa. O foco na prevenção e brigadas comunitárias O segundo ponto chave abordado foi a importância do trabalho de prevenção e combate realizado pelos brigadistas, em particular os de comunidades indígenas e tradicionais. Foi ressaltada a necessidade de dois pilares para o sucesso na gestão do fogo: Monitoramento tecnológico: O acompanhamento contínuo de focos de queimada por meio de satélites. Capacitação local: O investimento na capacitação das comunidades que vivem próximas às áreas de risco, garantindo uma resposta rápida e eficaz no combate inicial. Leonardo Gomes (SOS Pantanal) e Tainan Kumaruara (brigadista indígena) enfatizaram que é necessário um investimento prévio em capacitação e equipamentos, em vez de esperar o início do desastre para, então, planejar as ações O exemplo de sucesso no Pantanal A eficácia da prevenção foi ilustrada pelo case das queimadas no Pantanal. Após os grandes incêndios de 2020, a SOS Pantanal mudou sua abordagem. Nos anos seguintes, em vez de depender apenas de ações emergenciais, a organização investiu na capacitação de brigadistas ao longo da estação chuvosa. Em 2024, apesar das previsões de seca indicarem um cenário de queimadas tão graves quanto as de 2020, a região registrou 30% menos áreas queimadas. Este resultado tangível comprova que a prevenção e o investimento em equipes locais e preparadas são o caminho mais estratégico e econômico. O fogo como risco de ESG para empresas brasileiras Para o setor empresarial, o debate sobre a Política de Manejo Integrado do Fogo e o controle de queimadas é uma questão de gestão de riscos ambientais (E) e compliance: Dever de proteção: Empresas dos setores de agropecuária, infraestrutura, construção civil e fabril são legalmente responsáveis pela proteção das Reservas Legais (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APPs) sob seu domínio. Danos causados pelo fogo, mesmo que não intencionais, podem resultar em penalidades ambientais. Inventário de GEE: O carbono liberado pelas queimadas em áreas sob responsabilidade corporativa deve ser obrigatoriamente incluído no inventário de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) da empresa. Transparência e divulgação: A divulgação transparente de dados sobre a proteção de áreas nativas é essencial para relatórios de sustentabilidade e para atender às expectativas de stakeholders. Portanto, a adoção de práticas e instrumentos de controle de queimadas – seja por meio do engajamento em programas de MIF ou pelo investimento direto na capacitação de suas próprias equipes e comunidades vizinhas – não é apenas uma prática de sustentabilidade, mas uma estratégia crucial de mitigação de riscos operacionais, legais e reputacionais. Bruna Duffec, consultora de Sustentabilidade e Clima, membro da comitiva Report na COP30.
