Na hora de tomar decisões importantes sobre o futuro dos seus negócios, qual o nível de abertura e colaboração que as empresas devem incorporar ao trabalho de formulação estratégica? Responder a essa pergunta pode parecer simples: depende do perfil jurídico e tamanho da organização seria uma resposta rápida a vir à mente. Essa é uma resposta tão ágil quanto perigosa e imprecisa.
Nessa linha de raciocínio, companhias de capital aberto, listadas em bolsa, habitualmente não decidem seus rumos sozinhas; têm de prestar contas a grupos amplos de investidores, credores, acionistas e gente distribuída no mercado de capitais. Já as de capital fechado tendem a parecer mais “livres” para pensar seus planos, por prestarem contas a menos gente. Assim, pensar e planejar negócios com olhar de longo prazo seria – apenas seria – uma tarefa mais complexa para conglomerados e organizações for profit de grande porte, restando a outros perfis de negócios um pensar estratégico mais ensimesmado e menos dinâmico.
A história, porém, mostra que não é bem assim; na verdade, a literatura sobre estratégia indica que o século XX viu surgir teorias que indicam a necessidade de negócios abrirem a caixa preta e observarem as interconexões entre atividades empresariais, impactos gerados e recursos financeiros e não financeiros essenciais para sua existência. Modelos mais pautados pelo léxico do “integrado”, “aberto”, “colaborativo”, “sistêmico”, “integral” e “holístico” viraram moda nas escolas de administração e consultorias de estratégia. Isso decorre de uma movimentação que reflete, do muro para dentro, uma realidade dada que está há décadas fora dos escritórios das empresas.
Três asserções demonstram a caducidade dessa divisão entre “empresas grandes que prestam contas a muita gente” e “negócios familiares”. A primeira é que, na prática, todo mundo presta contas a um raio de influência relativamente grande, que inclui quem trabalha na empresa, os que prestam serviços e os que têm vidas afetadas por sua existência (consumidores e comunidades de entorno, por exemplo).
Em segundo lugar, nenhuma empresa é uma ilha. Todo negócio, por menor ou mais caseiro que seja, precisa, cada vez mais, sentar no divã e colocar suas bases estabelecidas em xeque, para se adequar a um mundo e uma economia global marcados pela tríade pós-moderna da volatilidade, transitoriedade e complexidade. Isso exige abertura, disposição ao diálogo e uma visão mais integrativa das questões que guiam as decisões e, é claro, afetam os resultados empresariais no curto, médio e longo prazos.
O terceiro ponto é, talvez, o mais importante numa abordagem comportamental aplicada às pessoas jurídicas: isolamento vai na direção contrária de performance. Empresas com cadeias ultracontroladas, atividades dissociadas de parceiros e visão estreita de engajamento/relacionamento tendem a se desconectar dos stakeholders vitais e, também, ter sua reputação definida por tal postura, além de perder o lugar na janela do ônibus sem perceber – já que suas ideias não se atualizam na mesma velocidade do mundo.
Voltemos, então, à questão inicial, agora com mais detalhes. Qual o nível de abertura e colaboração necessário para processos de reflexão estratégica? E mais: quem trazer para a conversa e como priorizar, escutar e filtrar considerações dos públicos? O que é preciso fazer para incentivar uma cultura de alianças e diálogos e, assim, tomar decisões de menor perfil de risco e maior impacto positivo nas jornadas dos negócios?
Dois conceitos, intimamente conectados, nos ajudam a encontrar respostas possíveis: Pensamento Integrado e Open Strategy. Vamos nos dedicar, aqui, a depurar o primeiro – e lançar premissas a ele associadas que viabilizam a construção de estratégias de negócios abertas.
O que é Pensamento Integrado? Como se aplica?
O pensamento integrado pode ser entendido como uma filosofia empresarial que, de um lado, traduz preocupações de profissionais de Finanças e Contabilidade sobre o modo como empresas são conduzidas – e, de outro, demonstra como estas podem ser mais estáveis, saudáveis e produtivas por meio da consideração ativa dos diversos capitais (financeiro e não financeiros – social, natural, intelectual, humano etc.) que utilizam e sobre os quais produzem impactos.
No texto “Integrated Thinking: Measuring the Unobservable”, os pesquisadores Irma Malafronte e John Pereira, das universidades de Roehampton e Kingston, no Reino Unido, resgatam a trajetória de debates sobre um modelo integrado de pensamento aplicável às empresas. Citam estudos em mercados pontuais, destacam a necessidade de critérios objetivos para mensurar/avaliar o nível de integração de administradores e suas decisões. E estabelecem um método para examinar, em estudo limitado a algumas companhias abertas, como posicionar empresas de acordo com seu nível reportado – e legível externamente – de integração. A conclusão dos autores é bem objetiva: “Embora a investigação sobre pensamento integrado e relatórios esteja a emergir na literatura recente sobre relatórios, ainda é preciso compreender o pensamento integrado na prática e o seu desenvolvimento ao longo do tempo” (Malafronte; Pereira, 2020, pág.5, tradução nossa).
A menção a “relatórios” não ocorre por acaso. A discussão sobre pensamento integrado ganhou força na última década por conta do movimento do Relato Integrado <IR>, iniciado pelo International Integrated Reporting Council (IIRC), continuado pela Value Reporting Foundation (VRF) e hoje sob liderança da IFRS Foundation. No framework lançado pelo IIRC em 2013, a prática da divulgação integrada de resultados, desempenhos e perspectivas dos negócios das empresas sob a ótica <IR> era associada a empresas que pensavam a si próprias de maneira conectiva e holística, produzindo resultados mais estáveis e sólidos ao longo do tempo – e que os comunicam de forma clara a provedores de capital e outros stakeholders. Conforme o texto das diretrizes, o pensamento integrado “leva em consideração a conectividade e as interdependências entre uma gama de fatores que afetam a capacidade de uma organização de gerar valor ao longo do tempo” (IIRC, 2013, p.2), incluindo os estoques de valor representados pelos capitais que o negócio acessa e transforma; a capacidade de atender aos interesses dos stakeholders; a adaptabilidade do modelo de negócios e da estratégia ao ambiente externo; e os desempenhos e impactos gerados com relação aos capitais.
O conceito foi trabalhado posteriormente em outros estudos da IIRC e da VRF, chegando ao que nos parece ser a definição mais precisa até hoje, apresentada na publicação “Integrated Thinking: A Virtuous Loop”
Em vez de focarem estritamente nas ferramentas financeiras, as organizações com melhor desempenho de hoje baseiam as decisões de negócio em informações interligadas por meio de múltiplos capitais, incluindo o natural, o social e de relacionamento, o humano, o industrial e o intelectual, bem como o financeiro. Isto é pensamento integrado, a consideração ativa por parte de uma organização das relações entre as suas diversas unidades operacionais e funcionais
e os capitais que a organização utiliza ou afeta – inputs, outputs
e outcomes (VRF, 2021a, p.6, tradução nossa).
Ao entender que o pensamento integrado envolve “tomadas de decisões e ações integradas que consideram a criação, preservação ou perda de valor em curto, médio e longo prazos” (VRF, 2021a, p.6), a Value Reporting Foundation incentiva uma discussão que provoca empresas a mudar modelos mentais que subsidiam o planejamento estratégico.
Em 2021, foram lançados os Integrated Thinking Principles, um conjunto de seis Princípios, distribuídos em três níveis (reflexão pela alta administração; avaliação de aderência; e ferramentas de gestão, práticas e processos) a serem adotados por empresas em sua jornada de pensamento integrado. São eles: Estratégia; Propósito; Riscos e Oportunidades; Cultura; Governança; e Performance.
Todos enfatizam a necessidade e o caminho para implementar estruturas – materiais e imateriais – que viabilizem a integração efetiva de temas não financeiros (por exemplo, direitos humanos, biodiversidade, clima, condições de trabalho e inovação) à análise econômico-financeira. Outra tônica importante é a inclusão de stakeholders, que figura de forma transversal aos princípios; a rigor, uma empresa terá uma estratégia pautada pelo pensamento integrado caso “considere como suas ações estratégicas afetam seus stakeholders de modo mais amplo” (VRF, 2021b, p.11). Mais do que isso, a avaliação de eficácia e resiliência de uma estratégia deve se basear neste critério: a capacidade da empresa de considerar, incorporar e trabalhar as necessidades dos públicos-chave ao planejar seu futuro, avaliar seu passado e administrar seu presente.
Pensamento integrado & estratégias abertas: uma “tensão saudável”
Esse debate sobre o pensamento integrado nos ajuda a responder às questões iniciais e lançar as bases para discutirmos, posteriormente, o conceito de Open Strategy. Para isso, vamos trabalhar, aqui, com três hipóteses:
1) o pensamento integrado é uma oportunidade ímpar para organizações que desejam atuar em maior sintonia com seus stakeholders e o espírito do tempo;
2) a conjunção pensamento integrado + estratégias abertas é inevitável em um contexto econômico, social e ambiental que requer atividades empresariais mais estáveis e responsáveis; e
3) modelos mais colaborativos e abertos de reflexão estratégica resultam do avanço de uma jornada rumo ao pensamento integrado. Uma jornada que sempre supõe tensões, conflitos e interesses divergentes – mas que, justamente por debatê-los, produz consensos e resultados positivos.
Consideramos, assim, que a consideração efetiva e razoável do que os stakeholders têm a dizer sobre um negócio, o olhar multicapitais e conectivo no processo de formulação estratégica e a implementação de estratégias abertas são a jornada mais coerente para as empresas – e não importa que sejam listadas, de capital fechado, multinacionais ou de pequeno e médio porte, tampouco que fabriquem veículos, extraiam minério, cultivem commodities ou produzam salgadinhos.
É um caminho simples? Jamais. Publicado na The British Accounting Review de Janeiro de 2024, o estudo “Hallmarks of Integrated Thinking”, de Ruth Dimes e Charl de Villiers, traz uma perspectiva importante sobre a relação entre stakeholders e pensamento integrado. Segundo os autores, gestores de empresas que estão na rota da integração inevitavelmente “tentam equilibrar múltiplas prioridades conflitantes” dos públicos; por isso, “a tensão e a dificuldade provavelmente farão parte do processo”. A saída para lidar com elas é o reconhecimento de que demandas, visões e interesses divergentes existem e devem ser debatidos, em benefício dos negócios e da sociedade:
As orientações adicionais fornecidas pelos promotores do Pensamento Integrado devem sublinhar a importância de uma tensão “saudável” como parte essencial das organizações que passam de uma mentalidade de criação de valor para os acionistas para uma mentalidade de criação de valor sustentável para um conjunto mais amplo de partes interessadas (DIMES; VILLIERS, 2024, online).
O caminho para usar o pensamento integrado como motor dessa “tensão saudável”, produtiva e transformadora, consiste no próximo passo: a implementação de Estratégias Abertas.
Quer saber mais sobre Pensamento Integrado e Estratégias Abertas? Temos curso com inscrições abertas.
Em maio, lançaremos a primeira turma do curso de mesmo nome, oferecido pela frente de Educação Corporativa.
São quatro aulas digitais ao vivo, nos dias 13, 16, 20 e 23/5, de 19h a 22h, incluindo uma masterclass com experts e executivos convidados que discutirão cases reais de implantação do pensamento integrado e de Open Strategy em companhias brasileiras. Os instrutores serão Victor Netto, diretor de Estratégia, e Guto Lobato, gerente de Educação do Grupo Report.
Saiba mais detalhes em: cursos.gruporeport.com.br