A biodiversidade é a nova fronteira nas discussões estratégicas de sustentabilidade.
Apesar de histórica por reunir um grande número de participantes, a COP 16, realizada em Cali, foi concluída sem que os países chegassem a um consenso sobre como serão financiados os projetos para alcançar as chamadas “metas da natureza”. Na prática, dos US$ 20 bilhões anuais que seriam alocados em um fundo global para esse fim, apenas 2% foram mobilizados no total até agora. A eliminação de US$ 500 bilhões em subsídios dos governos para atividades de impacto negativo, como desmatamento e combustíveis fósseis, ficou à margem das discussões.
Continua também o impasse sobre a governança dos instrumentos multilaterais de financiamento. Os países em desenvolvimento demandam mais poder de decisão sobre a utilização dos recursos, compatível com o volume de biodiversidade que concentram em seus territórios.
Entre as boas notícias, porém, esteve a garantia da participação permanente de indígenas e comunidades locais na convenção, além do reconhecimento da importância dos saberes tradicionais da população afrodescendente. A criação do Fundo Cali, mecanismo multilateral que vai receber os pagamentos da repartição de lucros obtidos com o uso do sequenciamento digital do “DNA da natureza”, irá destinar a essas comunidades metade dos recursos arrecadados, pelos seus serviços de conservação e conhecimento.
Os oceanos também ganharam mais mecanismos de proteção, com a classificação de novas áreas marinhas como ecologicamente significativas e, portanto, incluídas nas metas de preservação até 2030.
O chamado para as empresas
Mesmo com a diplomacia ainda patinando, aumentaram consideravelmente as expectativas dos stakeholders para que as empresas revisitem a gestão dos negócios, assumindo compromissos e demonstrando com transparência suas práticas de proteção e restauração dos ecossistemas, bem como o uso sustentável dos recursos naturais terrestres e marinhos.
Não há caminho possível e confiável para o net zero sem a natureza. Afinal, mudanças climáticas e biodiversidade são interdependentes e ambas requerem a aceleração de iniciativas para atingir tanto as metas do Acordo de Paris quanto as do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal.
“Assim como as mudanças climáticas ganharam um caráter universal e transversal, a biodiversidade vai assumindo o papel de co-protagonista na mudança das relações entre a humanidade e o meio ambiente. As empresas estão conclamadas a contribuir para o atingimento dessas metas globais, além de incorporar a natureza na gestão de riscos financeiros”, avalia Renata Vallim, consultora de sustentabilidade do Grupo Report.
Além dos impactos externos dos negócios na perda de biodiversidade, é cada vez maior o reconhecimento de que a resiliência dos ecossistemas também é um fator de risco financeiro. Por isso, GRI, TNFD, ISSB e o CDP estão trabalhando em conjunto para desenvolver normas e estruturas que atendam à demanda de relato de forma eficiente, simples e, principalmente, com sinergia.
Como relatar a biodiversidade?
1. Aplique a dupla materialidade
Identifique tanto os impactos positivos e negativos dos negócios na biodiversidade quanto os riscos financeiros e oportunidades aos quais a empresa está exposta com relação ao tema. Assim, você estabelece os fundamentos para o processo de relato.
2. Comece com o GRI
Adote desde já o novo caderno GRI 101: Biodiversidade, lançado no início de 2024, com adoção obrigatória a partir de 2026. Ele substitui o documento anterior GRI 304-1 de 2016, com novos indicadores, maior abrangência e complexidade. Ele ajuda a entender quais decisões e práticas de negócios levam à perda de biodiversidade, onde esses impactos acontecem na cadeia de valor e como eles podem ser gerenciados.
Dada a importância da América Latina para a biodiversidade, a GRI lançou durante a COP 16 as versões em português e espanhol da nova norma.
3. Complemente com o TNFD
Uma vez aplicada a perspectiva do GRI, complemente o relato com as recomendações da TNFD, a Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza, lançadas em 2023. Ela orienta o mapeamento das dependências e dos riscos e oportunidades relacionados à biodiversidade que impactam a materialidade financeira da empresa.
Em 2024, a TNFD publicou o mapa da sua interoperabilidade com as normas GRI.
Durante a COP 16, a força-tarefa divulgou para consulta pública a primeira proposta de recomendações para a elaboração dos planos de transição em biodiversidade, nos mesmos moldes do que vem sendo adotado para as mudanças climáticas. Elaborado em conjunto com a Aliança Financeira de Glasgow para o Net Zero (GFANZ) e outros parceiros, o documento propõe as metas, ações, medidas de responsabilização e recursos que as empresas devem priorizar para alinhar seus esforços com as metas globais e relatá-los da melhor forma.
4. Prepare-se para a futura IFRS S3
Tanto a GRI quanto a TNFD estão colaborando estreitamente com o International Sustainability Standards Board (ISSB) no projeto de pesquisa sobre biodiversidade e ecossistemas.
A expectativa é de que os aprendizados e experiências sejam utilizados na elaboração das futuras normas de contabilidade IFRS S3, que tratará dos riscos financeiros relacionados à biodiversidade.
5. A contribuição do CDP
A TNFD e o CDP assinaram um acordo de colaboração para o alinhamento dos dados coletados pelas duas iniciativas, com a incorporação total das recomendações da TNFD na plataforma do CDP. Mais de um terço das empresas que utilizam o CDP já divulgam informações relacionadas à natureza, como o uso da água. No entanto, apenas 10% delas já mapearam suas dependências em biodiversidade.