No ano mais quente registrado no planeta desde a Revolução Industrial, os países chegaram ao final de mais uma Conferência das Partes ainda sem um consenso ambicioso sobre como financiar as ações de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
Já esvaziada e com o risco de ser suspensa, a COP29, realizada no Azerbaijão, chegou à prorrogação e conseguiu ao menos garantir a continuidade do arranjo em vigor, com o direcionamento de US$ 300 bilhões anuais pelos países desenvolvidos, entre recursos públicos, privados e filantrópicos.
Apesar de superior ao compromisso dos US$ 100 bilhões de 2020 a 2025, a Nova Meta Coletiva Quantificada, válida de 2026 a 2035, ainda é considerada tímida e continuará sendo discutida no caminho entre Baku e Belém. A missão é encontrar soluções para a mobilização dos US$ 1,3 trilhão necessários para os países em desenvolvimento construírem sua economia de baixo carbono.
Os desencontros de interesses também impossibilitaram qualquer avanço relacionado ao texto aprovado em 2023, na conferência de Dubai, que reconheceu pela primeira vez a necessidade de uma transição energética que se afaste dos combustíveis fósseis. Na prática, não houve discussões relevantes do Grupo de Trabalho de Mitigação.
Por outro lado, a conferência conseguiu destravar a aprovação das regras gerais do Artigo 6 do Acordo de Paris, que estabelece o comércio de carbono entre países, além de um mercado global que será regido pela Convenção do Clima da ONU. Com isso, os trabalhos deixam o campo da política e seguem para as discussões técnicas de como operacionalizá-lo.
De Baku a Belém
O desfecho tímido em Baku ampliou as expectativas com relação ao Brasil, anfitrião da COP30 em 2025. A conferência de Belém, que já estava sendo conhecida como “a COP da implementação” , também terá que dar continuidade às negociações de financiamento climático, por meio do mecanismo de transição “Baku to Belém Roadmap to 1.3T”.
A realização da COP30 marcará ainda o prazo para que os países apresentem individualmente sua nova NDC, ou Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês. O Brasil entregou o seu compromisso já em Baku, com a meta de reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035, com base nos dados de 2005, e a promessa de atingir a neutralidade até 2050. O plano veio embalado pela notícia de que o país reduziu suas emissões em 12% em 2023, o melhor resultado em 15 anos.
Para ajudar a viabilizar o plano, o país lançou a Plataforma de Investimentos Climáticos e Transformação Ecológica, um mecanismo de mobilização de recursos para financiar a transição. E, na esteira da evolução das discussões sobre o mercado global de carbono, o Brasil aproveitou o momento e aprovou no Congresso Nacional o projeto de lei do tão aguardado mercado brasileiro de emissões.
O papel do setor privado
O atingimento das metas brasileiras dependerá do esforço conjunto e da colaboração entre governo e setor privado, com a elaboração de políticas públicas e a discussão de ações e metas por setor da economia brasileira. Os dados de 2023 mostraram que 46% das emissões brutas do país em 2023 vieram de mudanças no uso da terra. Outros 28% vieram da agropecuária, 18% do setor de energia e 4% dos resíduos.
Temas como investimentos e financiamento de iniciativas de baixo carbono, combinadas ao desenvolvimento de uma Taxonomia Sustentável Brasileira que assegure regras claras e a confiança nos projetos, ganham mais força. O país tem a oportunidade de construir um mercado de carbono robusto, demonstrar sua história de sucesso em energias renováveis e investir em projetos ligados à bioeconomia.
Aliás, transparência é a palavra de ordem. Conforme já mencionamos no blog, o Brasil, por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi um dos primeiros mercados a regular, em 2023, a adoção local das normas contábeis IFRS 1 e IFRS 2 pelas companhias listadas no país. Em setembro de 2024, o número de jurisdições que já incluíam em suas leis e regulamentações o uso do relatório climático baseado nas orientações da ISSB chegava a 30. Esses países representam 57% do PIB mundial, 40% do mercado de capitais e mais da metade das emissões globais.
Durante a COP29, outros atores importantes no processo de relato anunciaram novas colaborações e acordos de interoperabilidade. A GRI assinou com o CDP (Carbon Disclosure Project) um memorando de entendimentos para aumentar o acesso a dados comparáveis dos dois relatos, construindo um mapa de equivalência entre o questionário do CDP e os tópicos da GRI para mudanças climáticas, água e biodiversidade.
Para as empresas europeias ou aquelas que de alguma forma estão submetidas às normas ESRS, as notícias também foram animadoras quanto à simplificação e otimização dos processos. A EFRAG, órgão europeu responsável pelo desenvolvimento das normas, anunciou que há extensa interoperabilidade do ESRS E1 com o questionário do CDP e que um mapa será publicado no início de 2025. Já com a GRI, houve a publicação do documento oficial de interoperabilidade GRI-ESRS, disponível para download.