8 de fevereiro de 2024

Acessando títulos rotulados por meio da estratégia de sustentabilidade

Os GSSS Bonds (sigla em inglês para Green, Social, Sustainability e Sustainability-linked Bonds) ou títulos rotulados emergiram como alguns dos principais produtos financeiros com o objetivo de “carimbar” o dinheiro que incentiva avanços socioambientais. De acordo com a CBI (sigla para Climate Bonds Initiative) (CBI, 2023), essas operações mobilizaram US$ 863,5 bilhões de dólares em 2022. Já no Brasil, esse montante foi de R$ 54 bilhões em 2022, segundo levantamento feito pela NINT. Do montante movimentado no Brasil, 47% do volume foi captado via sustainability-linked bonds (também conhecido pela sigla SLB). Trazendo o foco para o SLB, que emerge como o instrumento de dívida sustentável mais recente e com expressivo crescimento nos últimos anos. Seu apelo se dá por ser uma alternativa acessível para as empresas que não possuem um projeto específico para financiar, mas têm uma estratégia formulada para tornar seus negócios mais sustentáveis. No entanto, sua emissão carrega riscos, pois caso não esteja alinhado a uma estratégia de sustentabilidade robusta, pode representar um tiro no pé. A estrutura inovadora do SLB tem o potencial de oferecer aos investidores um impacto real no desempenho socioambiental a nível corporativo, uma vez que a taxa de juros a ser paga pelo emissor é vinculada ao atingimento de metas socioambientais, existindo uma penalidade caso não seja atingida. Segundo Berrada et al. 2022, a opção mais frequente para penalizar um emissor de SLB por não cumprir sua meta é um aumento de cupom entre 25-50 pontos base (aproximadamente 95% de todas as emissões de SLBs). Esse formato difere dos títulos baseados em uso de recursos (p.e. Green, Social e Sustainability Bonds), onde os recursos captados têm que ser destinados especificamente a algum projeto. Os SLBs, por sua vez,  proporcionam maior flexibilidade aos emissores, pois o uso dos recursos é livre. O não atingimento dos KPIs (sigla em inglês para key performance indicator) pelo emissor, no entanto, não significa necessariamente ganho financeiro para o investidor. A ideia de que uma empresa com alto desempenho em temas ESG é uma empresa mais resiliente é o principal impulsionador do financiamento sustentável. Ou seja, deixar de cumprir uma meta de sustentabilidade material provavelmente prejudicaria o perfil de crédito do emissor e poderia afastar alguns investidores, podendo resultar em uma queda no preço do título. Entende-se que a emissão desses títulos por atores do setor privado ocorre devido a incentivos específicos que os motivam a acessar esse mercado. Flammer (2021) aponta três principais motivos para empresas emitirem green bonds, que apoiam a compreensão dos racionais por trás das emissões de SLBs: redução do custo de capital,  quando as companhias entendem que títulos rotulados proporcionam a ela um menor custo de financiamento; sinalização, para prover um sinal crível a seus stakeholders do compromisso da companhia frente às questões socioambientais; e o tão falado greenwashing, quando empresas se mostram como ambientalmente responsáveis, embora não empreguem ações tangíveis nesse sentido. O nível de maturidade da estratégia de sustentabilidade da empresa emissora é determinante para sua capacidade de aproveitar os benefícios que uma emissão de título carimbado como sustentável pode gerar. Isso ocorre pelo fato da operação estar vinculada a metas e KPIs. As empresas emissoras podem aproveitar os compromissos já definidos em suas estratégias de sustentabilidade, de forma a conferir maior concretude a eles e evidenciar “skin in the game”, ou seja, um comprometimento financeiro com o atingimento de suas metas.  A emissão de SLBs, no entanto, acaba colocando grande escrutínio sobre as estratégias de sustentabilidade das empresas emissoras, o que pode gerar consequências distintas, a depender do nível de maturidade do emissor. Empresas com maior maturidade em suas estratégias estão bem posicionadas para aproveitar o racional da sinalização, aportando credibilidade a seus compromissos e atuação frente à agenda da sustentabilidade. [1] Por outro lado, empresas ainda imaturas acabam estando mais expostas a riscos, podendo sofrer acusações de inconsistência,  podendo acarretar efeitos contrários ao pretendido. Quanto à redução do custo de capital, ainda não existem evidências sobre sua ocorrência, apesar de, em alguns casos, terem  sido observadas taxas mais baixas na emissão de SLBs. Geralmente isso ocorre quando a emissão tem como destino o mercado internacional, que possui mais bolsos dedicados à temática, ou seja, maior demanda pelos títulos SLBs. Algumas características da estratégia de sustentabilidade que entende-se como importantes para uma emissão de SLB bem sucedida são: Entende-se que empresas aderentes aos pontos acima estão bem posicionadas para realizar uma emissão de SLB e usufruir dos benefícios que tal rotulagem pode conferir ao seu perfil. Dessa forma, a operação se torna um passo natural na jornada corporativa frente à agenda de sustentabilidade, possibilitando atrair capital por meio da estratégia formulada. Além disso, é possível dizer que o nível de contribuição que os SLBs representam para o avanço do setor privado frente aos desafios da sustentabilidade está no campo dos incentivos. A oportunidade de emitir dívida rotulada como sustentável pode ser um fator indutor para o aumento do nível de ambição dos compromissos públicos presentes nas estratégias de sustentabilidade. Converse com o time de especialistas em Finanças Sustentáveis do grupo report. Referências:

Normas IFRS S1 e S2 lançadas: os principais tópicos, as novidades – e o que vem por aí

Há algum tempo, fazer a integração real de dois mundos – o da sustentabilidade e o do mercado financeiro – é o grande desafio de reguladores, especialistas e definidores de standards ao redor do mundo. No final de junho, um passo decisivo foi dado nessa direção com o lançamento das Normas IFRS S1 e S2, dedicadas a padrões de divulgação de riscos e oportunidades em sustentabilidade, com foco no mercado de capitais. O lançamento foi durante a IFRS Foundation Conference 2023, realizada em Londres e transmitida para todo o mundo nos dias 26 e 27 de junho. Por meio de nossa unidade de negócios rpt.edu, estivemos na conferência para entender a fundo o que dizem a S1 e a S2. Em resumo, elas prometem dar novo direcionamento à prática de comunicação de resultados, enfatizando o diálogo com os interesses de investidores e a qualificação de discurso e dados sobre riscos e oportunidades atrelados a temas ESG. CIFRAS PARA TODOS OS CAPITAIS Capitaneada globalmente pela IFRS Foundation, por meio do International Sustainability Standards Board (ISSB), a construção das Normas envolveu consultas públicas realizadas em 2022 e a incorporação de vários conceitos e orientações técnicas presentes em documentos da IFRS, incluindo a Estrutura Internacional para Relato Integrado (<IR>) e as Normas SASB. As Normas também recorrem a conceitos e estruturas das diretrizes do Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD) e dialogam com o CDP. A ponte com as Normas da Global Reporting Initiative (GRI), um dos maiores pontos de dúvida, segue em construção. Em sua fala de abertura na Conferência, o chair do ISSB, Emmanuel Faber, foi enfático: as Normas S1 e S2, mais que novas referências para fazer relatórios ou divulgar dados, são um marco na criação de uma linguagem comum no ecossistema global de accounting para assuntos de sustentabilidade, que podem e devem ser traduzidos em termos de negócio e subsidiar decisões de investidores. “A economia não reconhece o valor da natureza para os negócios. Não traduzimos em informação financeira questões com impacto direto sobre elas, como transição populacional, carbono e uso da água. A fronteira que faltava era desenvolver uma linguagem comum e, assim, caminhar para a convergência do relato financeiro e do relato de valor e capitais”, afirmou, fazendo referência à necessidade de dar cifras aos capitais (não apenas o financeiro) acessados e transformados pelos negócios. “Agora, nós atravessamos essa fronteira.” Conhece nossos cursos certificados em Relato Integrado <IR> e GRI? Clique aqui. AS NORMAS EM DETALHE Primeiro bloco de uma série de normas “S” a serem lançadas pela IFRS Foundation – como já ocorre com as Normas IFRS de Relatório Financeiro –, a S1 e a S2 abordam, respectivamente, divulgações sobre sustentabilidade em geral e divulgações relacionadas ao clima. Disponíveis ao público (por enquanto, sem tradução para o português) desde o dia 26 no site da fundação, a S1 e a S2 foram lançadas em oito documentos: as Normas em si, cadernos de orientações setoriais e diretrizes para aplicação, avaliação de efeitos. A S1 é mais abrangente e conceitual: reúne seções de Objetivos, Escopo, Fundamentos Conceituais, Conteúdos Core e Requisitos, entre outras, que destrincham o caminho para empresas desenvolverem seus relatos. Sua construção é diretamente inspirada em conceitos do mercado financeiro: é o caso do de materialidade, que aqui se aproxima das Normas IFRS de Relatório Financeiro e da Estrutura Internacional para Relato Integrado (<IR>), atrelando a definição de temas materiais ao potencial que estes têm de influenciar decisões de stakeholders provedores de capital. A materialidade de impacto, defendida globalmente por normas como as da GRI e focada na percepção de relevância de todos os públicos, é combinável, mas não é o foco. “As Normas IFRS não adotam a dupla materialidade. O foco aqui está no público de investidores”, disse Richard Barker, do ISSB, em uma das sessões da Conferência. As divulgações de sustentabilidade devem ser feitas “in accordance” com as Normas S1 por meio de um processo que inclui o estudo de riscos e oportunidades em sustentabilidade, seguindo instruções do documento, e também a definição de indicadores/dados por meio das Normas SASB – incorporadas, junto com o framework <IR>, pela IFRS Foundation. Além delas, pode-se recorrer a orientações setoriais e outros documentos, como as próprias Normas GRI ou os European Sustainability Reporting Standards. “Torcemos para que os países utilizem as Normas como ponto de partida e adicionem suas necessidades locais. Para nós, isso será um indicativo de sucesso, podemos ser a base e não a única referência”, destacou Sue Lloyd, vice-chair do ISSB, no primeiro dia da Conferência. “A Europa é um exemplo de região que está indo à frente em alguns requisitos. Comunicar nossos standards com adicionais regulatórios locais é o objetivo e finalidade do que fizemos no trabalho do ISSB.” Já as Normas S2 são especificamente dedicadas à divulgação de informação relacionada ao clima. Devem ser adotadas em conjunto com a S1 e estão 100% integradas às diretrizes do TCFD – ou seja, um relatório “in accordance” com as Normas IFRS atenderá aos requisitos daquela Força-Tarefa. O diferencial, segundo Sue Lloyd, é a abordagem da IFRS para um olhar mais focado em cada indústria. “A S2 conta com quatro áreas de conteúdo centrais alinhadas ao TCFD: governança, estratégia, gerenciamento de riscos e métricas e metas. Com elas, queremos que a informação seja apresentada com clareza, alertando investidores sobre riscos e oportunidades climáticos que são materiais para eles, podendo afetar a criação de valor no curto, médio e longo prazos.” A S2 é bastante detalhada: solicita informações de efeitos financeiros de questões ligadas ao clima – riscos físicos e de transição, resiliência climática, análise de cenários futuros etc. – e, embora encoraje abordagens qualitativas, solicita sempre que possível a tradução financeira dos riscos. A parte ligada à mensuração e divulgação de emissões se sintoniza ao GHG Protocol, outra forma de simplificar e criar convergência entre normas e frameworks adotados pelas empresas em sua gestão climática. “Será obrigatório reportar suas emissões de escopo 1, 2 e 3 em linha com os conceitos e métodos do GHG Protocol”, afirmou Caroline Clark-Maxwell, do time técnico que desenvolveu a S2. APLICAÇÃO DAS NORMAS E PERÍODO DE TRANSIÇÃO

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