Licenciamento Ambiental: como avançar em eficiência sem retroceder em responsabilidade? Uma análise técnica do PL 2159/2021
Por Bárbara Virgili, engenheira ambiental e consultora de sustentabilidade pleno na Report O licenciamento ambiental é uma das principais ferramentas de prevenção e controle de impactos sobre o meio ambiente no Brasil. Com a aprovação do PL 2159/2021 pelo Congresso Nacional em julho de 2025, abre-se um novo capítulo nessa história: sob o argumento da desburocratização, o novo texto altera pontos fundamentais da estrutura regulatória construída desde a década de 80. Mas, afinal: o que muda de fato? E mais importante: seria possível melhorar a agilidade do licenciamento sem abrir mão da técnica, da segurança e da transparência? Comparativo Técnico: Antes e Depois da Nova Lei Elemento Alterado Como era antes Como ficou com a nova PL Consequência prática Fases da licença O licenciamento era dividido em três etapas: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO), com análises técnicas específicas em cada fase. Foram criadas novas modalidades: Licença Ambiental Única (LAU), Licença Ambiental Especial (LAE) e Licença por Operação Corretiva (LOC), que permite regularizar atividades já em funcionamento. Redução do controle técnico progressivo, incentivo à regularização posterior e menor verificação do cumprimento das condicionantes ambientais. Atividades sujeitas a licenciamento Existia uma lista nacional unificada com as atividades obrigadas a passar por licenciamento ambiental. Estados e municípios passam a definir individualmente quais atividades devem ou não ser licenciadas, sem uma referência mínima nacional. Fragmentação das regras, insegurança jurídica e possível enfraquecimento dos padrões ambientais mediante regras locais mais permissivas. Licença por Adesão e Compromisso (LAC) Era aplicada apenas a empreendimentos de pequeno porte e baixo impacto, mediante critérios técnicos bem definidos. A LAC passa a ser admitida também para atividades de médio impacto, com base em autodeclaração do empreendedor. Risco de subnotificação de impactos e eliminação da análise técnica prévia obrigatória. Isenções de licenciamento Eram autorizadas apenas em casos específicos e com justificativa técnica pelos órgãos ambientais. Atividades como manutenção de vias, agropecuária extensiva, obras de saneamento e infraestrutura energética passam a ser isentas automaticamente. Obras com potencial significativo de impacto poderão ocorrer sem qualquer avaliação ambiental. Participação de órgãos técnicos (Funai, Iphan, ICMBio) Pareceres técnicos eram obrigatórios e vinculantes em casos de impacto a terras indígenas, patrimônio histórico ou áreas protegidas. Os pareceres passam a ser não vinculantes ou até facultativos, dependendo do entendimento do órgão licenciador local. Afastamento de conhecimento técnico especializado e fragilização da proteção de populações e territórios sensíveis. Audiência pública Era obrigatória para empreendimentos com significativo impacto ambiental, como mecanismo de controle social. A realização da audiência passa a ser opcional, a critério do órgão ambiental responsável. Menor transparência e redução da participação da sociedade no processo decisório ambiental. Vale destacar mudanças específicas em setores com alto potencial de impacto: Na agricultura, diversas atividades passam a ser isentas de licenciamento, sobretudo em áreas de uso consolidado. Isso abre margem para a expansão da fronteira agrícola em biomas sensíveis, como o Cerrado, sem qualquer análise prévia de impacto. A mineração, embora não formalmente isenta, poderá ser licenciada por modalidades simplificadas, como a Licença Ambiental Única (LAU) ou a Licença de Operação Corretiva (LOC) — esta última permitindo regularizar empreendimentos já em operação, mesmo sem licença anterior. O enfraquecimento do controle por fases amplia o risco de desastres ambientais. No saneamento básico, obras de manutenção e implantação passam a ser dispensadas de licenciamento. Sem avaliação técnica, podem gerar impactos em cursos d’água, zonas de preservação e comunidades vulneráveis. Já obras lineares de infraestrutura, como estradas e linhas de transmissão, também foram favorecidas com isenções e autodeclarações, mesmo em casos de potencial impacto cumulativo e fragmentação de habitats. De forma geral, o conjunto de alterações do licenciamento ambiental apresentados pelo PL 2159/2021 reduzem etapas de análise técnica, flexibilizam critérios, ampliam isenções e enfraquecem a participação de órgãos especializados e da sociedade civil. Na prática, essas mudanças fragilizam o papel preventivo do licenciamento ambiental, priorizando a agilidade administrativa em detrimento da robustez técnica, da proteção ecológica e da participação democrática. Judicialização no horizonte Avançar sem regredir Além disso, a nova lei que afirma buscar maior segurança jurídica e simplificação dos processos, pode, na prática, gerar o efeito contrário: ao invés de reduzir conflitos, pode ampliar a judicialização e gerar ainda mais complexidade regulatória. Ao transferir a responsabilidade do licenciamento para estados e municípios, sem parâmetros mínimos nacionais, abre-se espaço para uma fragmentação normativa. É inegável que o licenciamento ambiental apresenta gargalos operacionais — prazos longos, excesso de etapas burocráticas e falta de integração entre entes públicos geram insegurança para quem empreende de forma responsável. Mas aqui destaca-se: o problema não está na exigência técnica, e sim na gestão ineficiente dos processos.⠀ Neste sentido, e como bem apontado pela Folha de São Paulo, a Judicialização é quase certa, visto que os parlamentares mantiveram no projeto de lei pontos polêmicos e que já foram objeto de veto pelo Supremo Tribunal Federal anteriormente. Quais soluções poderiam ter sido objeto de atenção e melhoria na lei do licenciamento? Análise por critérios de complexidade e risco real; Interoperabilidade entre sistemas federais e estaduais; Capacitação técnica e digitalização já poderiam ter sido aplicadas para tornar o processo mais ágil, sem sacrificar sua finalidade: prevenir impactos ambientais e proteger comunidades vulneráveis. Além de aumentar o risco de conflitos socioambientais e desastres, colocar em desvantagem empresas que seguem boas práticas e enfraquecer a confiança em um dos instrumentos mais importantes da política ambiental brasileira, essa nova lei expõe os produtos brasileiros no mercado internacional, principalmente nos setores do agronegócio e da mineração, como bem destacado pela Folha de São Paulo. É importante lembrar que, em 2023, a União Europeia aprovou uma norma que restringe a importação de produtos associados ao desmatamento em países fornecedores. Esse movimento internacional sinaliza uma pressão crescente por cadeias produtivas mais sustentáveis. Para produtores brasileiros, especialmente do agronegócio, isso deveria ser um incentivo à modernização da produção — investindo em eficiência, e não necessariamente em expansão territorial. Empresas precisam de previsibilidade regulatória, legitimidade técnica e estabilidade jurídica — não de flexibilizações casuísticas que favorecem práticas de curto prazo