Como transformar a materialidade em ferramenta de gestão e estratégia
A materialidade deixou de ser um exercício isolado e passou a ocupar um espaço central na gestão de riscos, na formulação da estratégia e na resposta aos frameworks regulatórios mais exigentes. Quem fala isso não é apenas uma consultoria especializada em sustentabilidade, mas os investidores e os reguladores. Hoje, mais do que mapear temas relevantes, as empresas precisam entender a dimensão dos riscos que enfrentam, os impactos que geram e como esses fatores influenciam — ou vão influenciar — a sustentabilidade do negócio. Para aprofundar esse tema, convidamos Veridyana Borges, especialista da Report que lidera a evolução metodológica dos projetos de materialidade da consultoria. Nesta entrevista, ela compartilha uma visão direta e técnica sobre os pilares de uma boa materialidade, o papel da dupla abordagem, o engajamento da liderança e os diferenciais que têm orientado a atuação da Report nessa frente. A seguir, a conversa completa. 1. O que define, na prática, uma materialidade bem feita? Na minha visão, uma materialidade bem feita tem dois pilares principais. O primeiro é um bloco de gestão de riscos realmente estruturado, e o segundo é o envolvimento efetivo da alta liderança no processo. Quando falo em gestão de riscos, não estou me referindo a um mapeamento pontual para cumprir um processo de relato. É algo que precisa estar conectado ao sistema corporativo de gestão de riscos da empresa. Ou seja, o que a gente levanta na materialidade — especialmente no eixo financeiro — precisa ser incorporado depois pela companhia, virar insumo para monitoramento, para aprofundamento, para tomada de decisão. Hoje, com os frameworks como o IFRS/ISSB e o ESRS, não basta levantar riscos de forma genérica. A empresa precisa estimar a magnitude desses riscos, muitas vezes em valores financeiros, e classificar por criticidade. A gente já entrega isso nos nossos projetos — uma estimativa de impacto financeiro que ajuda a empresa a priorizar o que precisa ser aprofundado depois com análise de cenários e valoração completa. Se essa etapa for feita de maneira superficial, compromete a seguinte. E o segundo pilar, que é o engajamento da liderança, é o que vai garantir que a materialidade cumpra a sua função na estratégia do negócio. Se a alta liderança não participa, se não entende o que está sendo feito, o processo perde força. Vira conteúdo para o relatório, mas não vira direcionador de negócio. Quando a liderança se envolve, entende os riscos, participa da priorização, o projeto ganha legitimidade — e tem muito mais chance de virar gestão de fato. 2. Como a dupla materialidade se insere nesse processo? A dupla materialidade é um diferencial, uma boa prática — mesmo que o framework adotado não exija formalmente essa abordagem. Ela amplia a visão da empresa, porque combina o que pode impactar o negócio (risco financeiro) com aquilo que a empresa impacta no mundo (socioambiental). E essas duas coisas estão totalmente conectadas. O que é impacto hoje em algum momento se tornará risco financeiro. A GRI pede para a empresa detalhar os impactos, mas parte do princípio de que tudo, no fim, pode virar risco. Já o IFRS fala dos impactos como conceito, mas exige mesmo que você relate os riscos e sua gestão. O ESRS é o único que exige os dois formalmente — impactos e riscos — justamente porque entende essa interdependência. A verdade é que, mesmo que a empresa esteja usando IFRS ou GRI, se fizer só metade do caminho, corre o risco de não ver a imagem completa. A dupla materialidade entrega essa visão mais sistêmica, mais realista sobre como a empresa se relaciona com o ecossistema em que está inserida. E isso tem tudo a ver com estratégia. 3. E qual é o papel dos stakeholders e da cadeia de valor nesse contexto? Esses são dois aspectos que às vezes são tratados como acessórios, mas que são fundamentais. O engajamento de stakeholders — feito de forma qualificada — traz uma visão muito mais ampla sobre os riscos e os impactos que a empresa pode estar subestimando. Ao ouvir stakeholders externos, a empresa enxerga temas que não estavam mapeados internamente. Isso ajuda tanto na análise de impacto quanto na identificação de riscos reputacionais, regulatórios, sociais… que são super relevantes do ponto de vista da gestão. A cadeia de valor também é um ponto crítico. Uma materialidade bem feita precisa considerar não só os impactos diretos da operação, mas também o que acontece em toda a cadeia. Isso exige um olhar mais atento e, muitas vezes, metodologias que permitam capturar esses efeitos no curto, médio e longo prazos mesmo em elos mais distantes. É mais trabalhoso, mas essencial para uma análise completa. 4. Como a Report tem se preparado para responder a essas exigências? Já trabalhamos com materialidade desde a GRI colocou esse princípio no centro do processo de relato. Mas a Report vem aprofundando sua metodologia de forma contínua, justamente por causa da chegada de novos frameworks e da mudança de expectativa sobre o que é uma boa materialidade, um bom processo de materialidade. Hoje, temos um núcleo técnico que nasceu dentro da frente de finanças sustentáveis e que está totalmente dedicado ao estudo de valoração de riscos. Esse grupo tem feito um trabalho muito aprofundado, estudando metodologias, participando de formações com especialistas de mercado e testando abordagens que tragam mais precisão para a estimativa de impacto financeiro. Além disso, investimos na parte tecnológica. Estamos evoluindo o uso de sistemas e plataformas para apoiar tanto a análise quanto a gestão do conhecimento — nosso e dos clientes. Isso ajuda a dar mais consistência, repetibilidade e qualidade para os projetos. 5. E quais você diria que são os diferenciais da Report nesse campo? Eu destacaria alguns pontos. Primeiro, a robustez metodológica. A gente trabalha com uma régua clara para avaliar riscos, com critérios objetivos, inclusive financeiros. Isso dá mais segurança para os clientes e ajuda a priorizar com base em dados. Segundo, a gente facilita o caminho para a integração da materialidade à gestão de riscos. Não é uma entrega isolada. O